quinta-feira, dezembro 10, 2009

O Conde

Os olhos dele eram verde água...de uma imensidão tão grande que pareciam vazios...profundos demais para poder fixar por mais de uns segundos...

Quando o vi partir só ouvia o silêncio e o barulho do motor que se afastava. De braços caídos ao lado do corpo e os pés a pararem lentamente de andar, vi-o desaparecer na curva com o meu carro. Naquele momento só conseguia ouvir o meu próprio pensamento...é bem feita, a culpa é tua...

Já de manhã tinha tentado ligar o carro e nenhum ruído havia saído da bateria. Um toque num fio ao lado do motor e quando voltei a dar à chave o carro pegou. O prazer de sentir que percebia alguma coisa do meu próprio carro foi desaparecendo quando mais tarde, já em Algés, depois de pôr o saco-cama na lavandaria e de ir ao minipreço, o tentei ligar de novo e nenhum som apareceu ao rodar a chave. Nem um engasgão, nem um abanão...nada...roda a chave, volta a rodar...nada...nem um som.

"Estou em Algés...aqui há oficinas e eu sei onde ficam...não será dificil encontrar ajuda"...fecho tudo e sigo rumo ao centro. Ao passar por três homens de cabeça enfiada no capot de um carro saem-me as palavras: "Algum dos senhores é mecênico? É que preciso de ajuda..." e quando dei por ela já o Sr. me acompanhava ao carro para dar uma ajuda..." já não faço mecânica à muito tempo..." Quando dou por ela estou a correr atrás do carro, do alto dos saltos que hoje resolvi usar, e num segundo vejo o homem dos olhos de água saltar para dentro do carro e partir rua abaixo até desaparecer e deixando-me no silêncio...

É uma sensação angustiante a de saber que oferecemos um dos nossos bens mais preciosos à boa-vontade de alguém que nesse momento não só tem o carro, como o porta-chaves com todas as nossas chaves, as compras de supermercado que acabámos de fazer e as roupas velhas, que reunimos para dar ao mais desfavorecidos, dentro da bagageira, e que nos desaparece com tudo, deixando-nos de mãos a abanar. E a culpa é tão somente nossa, por confiarmos em alguém que nos ofereceu ajuda...

Regressa com um sorriso nos lábios cheios que preenchem a cara redonda e lhe mostra os dentes afastados e amarelados..." Este carro é teu?!?!"...Só consigo soltar uma gargalhada e deixo que se afaste de novo enquanto roda com o carro no estacionamento como uma criança que brinca com um brinquedo novo.

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